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Por Carlos I. S. Azambuja
Nenhum diretor de fábrica, a não ser
que seja louco, acolhe bem um aumento de salários. Desde que existe, o Estado
Soviético, como empregador, tem agido lógica e conscientemente mantendo baixos
os salários e aumentando a diferença salarial entre os administradores e os
trabalhadores.
Outra coisa que os patrões menos
desejam é ver uma constante mudança de operários, uma flutuação de
trabalhadores que se movem, migram livremente, e possam abandonar seus empregos
sempre que queiram. Numa sociedade de livre empreendimento, onde o trabalho é
livre, a direção nada pode fazer contra isso.
Na Rússia, porém, onde o Estado é o
único patrão, muito podia fazer com relação ao problema. E o fez. Instituiu o
congelamento do trabalho. A diferença mais evidente entre os países do
capitalismo privado e a Rússia Soviética, no que diz respeito ao trabalhador, é
que, no primeiro, ele pode deixar o emprego se quiser ou não estiver
satisfeito, mas na Rússia não, pois o Estado controla TODOS os empregos. A
aplicação do Rendimento Vertical Stakhanovista é possível, e passa a ser mais
fácil, se o trabalhador é preso ao seu emprego.
Se observarmos o Código Soviético do
Trabalho, de 1922, encontraremos as mais progressistas garantias de liberdade
do trabalhador: abandono do emprego, proibição do trabalho noturno para
mulheres e jovens, segurança social, etc. Entretanto, quando os senhores da
Rússia se encontraram na posição de capitalismo monopolista, possuindo toda
força humana e todos os meios de produção, seus interesses de classemudaram,
para usar uma trivial fraseologia marxista. Em outras palavras: onde começaram
como pedestres, onde cada motorista lhes parecia um demônio, sem coração,
agora, de repente, se encontram na direção e encaram pedestres como idiotas,
que não sabem para onde vão. Agora são diretores...
Como administradores querem baixar
não apenas os salários e os custos da produção, mas pensam também ser
necessário ter o domínio absoluto do suprimento de força humana do que foi,
outrora, a “mão de obra”. Daí teve início a exploração das massas e o
congelamento dos empregos foi uma das medidas mais naturais de se esperar. Em
todo o país colonial governado pelo poder imperial soviético, o padrão de
exploração é o mesmo. Logo, o trabalho se tornou compulsório, sem que ninguém
pensasse em revogar as cláusulas do Código do Trabalho, de 1922.
Por volta de 1930, o movimento de operários – mudança de
empregos – estava no auge, por causa dos baixos salários e da inquietação dos
trabalhadores. A princípio, o esforço para compelir os operários a ficarem numa
mesma fábrica foi vago, como publica o Pravda:
- 1930, 3 Set: O Manifesto do Comitê
Central do Partido diz que para combater a mudança de empregos devem ser
tomadas medidas para assegurar a fixação dos operários à produção por uma
reconstrução apropriada da opinião pública do proletariado; para conseguir dos
operários que se comprometam com o público proletário a manterem-se nos
empregos pelo menos por um certo espaço de tempo; pela aplicação de vários
meios de pressão pública, incluindo o boicote aos desertores refratários da
produção, e pela introdução de diferentes formas de bônus e de suprimentos com
a finalidade de fazer com que os operários fiquem na fábrica.
- Três dias depois, em 1930, 6 de
setembro: Um Decreto do Trabalho, do Comitê Central do Partido, definiu o
abandono de emprego, ainda que de acordo como artigo 46 do Código do Trabalho,
como “um termo arbitrário do contrato de emprego” e “equivalente a uma infração
da disciplina do trabalho”. Uma semana depois, a força do decreto foi sentida,
ao privar, os que abandonarem os empregos, dos benefícios sociais e de uma
questão ainda mais importante: dos seus cartões de racionamento. Aconteceu que
o Estado, como empregador, era o Partido que controlava o pão do trabalhador,
- 1930, 18 Set: O Comissariado
Popular do Trabalho publicou um Decreto determinando que os empregados que “arbitrariamente
abandonassem seus empregos” perderiam permanentemente o direito de reclamar
pelos benefícios de desemprego. Para encontrar novo emprego deveriam esperar
numa fila, atrás dos outros. “Flutuadores teimosos” mereciam ter seus
cartões de alimento cancelados.
- 1930, 15 Dez: A Comissão Executiva
Central do Partido Comunista ordena que “os desorganizadores refratários da
população devem ser barrados por 6 meses de qualquer emprego, seja na
indústria,seja nos transportes”.
- 1931, 8 Jan: Um decreto do
Comissariado do Povo introduziu o livro-de-salário como meio de fiscalizar os
movimentos dos operários.
- 1932, 27 Dez: Um decreto estende-o
até mais longe, obrigando cada um a carregar um passaporte interno que deve ser
apresentado ao entrar em qualquer emprego.
As linhas gerais do mecanismo de
controle da força humana estavam agora completas. Não existe nesta vida
argumento mais eficiente do que o de alguém capaz de nos tirar o pão da boca. É
básico. Esse é o motivo pelo qual os teóricos marxistas consideram o
proletariado os elementos mais seguros, enquanto sempre desconfiam do pequeno
lavrador que possui terras. O homem que tem um pedaço de terra e que pode dizer
que ela lhe pertence tem uma certa dignidade e independência que o torna um mau
instrumento para o comunismo. No caso do trabalhador empregado, porém, o senhor
– neste caso o Estado – no-lo dá, e o senhor o pode retirar, e o trabalhador
não tem do que se queixar. O fato de que estavam completando o Primeiro Plano
Quinqüenal e construindo um “Estado proletário”, tornava duplamente perigoso
ser considerado um sabotador ou “desorganizador da produção socialista”.
O trabalhador estava bem encaminhado
para o cativeiro, mas ainda não acorrentado. Os grilhões foram forjados na “reforma
do trabalho” de 1938, seguida pelo infame decreto de 16 de junho de 1940.
- 1938, 26 Dez: Este importante
decreto, publicado conjuntamente com o Comitê Central do Partido, pelo Conselho
dos Comissários do Povo e pelo Conselho dos Sindicatos, ordenava muitas coisas,
algumas das quais concernentes ao congelamento dos empregos; (a) o Livro do
Trabalho foi introduzido conforme o modelo nazista. Esse Livro era permanente e
acompanhava o operário de fábrica em fábrica. Era guardado pela administração,
e nele eram anotadas quaisquer infrações, tais como atrasos, etc., e o
trabalhador não podia despedir-se e entrar para um novo emprego, sem recebê-lo
de volta da administração; quer dizer, sem seu consentimento; (b) os
vencimentos integrais por motivo de doença dependiam de 6 anos de trabalho em
um só lugar, e eram reduzidos proporcionalmente de acordo com o tempo de
permanência no emprego; (c) isso era ordenado conjuntamente com várias
penalidades muito severas, conforme veremos a seguir.
- 1940, 26 Jun>: Este decreto
infame marcou o ápice. Ele desfez a diferença entre trabalho livre e trabalho
assalariado forçado. Será bom que se lembre que, nesse período, Stalin andava
flertando com Hitler, enquanto ajudava a lubrificar e alimentar a máquina de
guerra nazista para a sujeição da Europa. Os artigos 3, 4 e 5 desse Decreto
fazem do abandono do emprego uma“ofensa criminosa”. O artigo 5 determina
especificamente o processo criminal dos empregados que deixem as fábricas por
seus próprios critérios, com sentenças de prisão de 2 a 4 meses. Juntamente com
outras medidas disciplinares, o Livro de Trabalho praticamente preso por toda a
vida. O trabalho, assim, deixou de ser um acordo contraído.
- A Competição Socialista e o
Movimento Stakhanovista
Com o Livro de Trabalho permanente, o controle dos cartões de
mantimentos e a mobilização do trabalhador em geral, exceto por transferência
oficial, a situação era especialmente favorável à administração para tirar do
trabalhador tudo quanto desejasse. Esse “tudo quanto” logo assumia proporções
loucas e anormais sob o sistema de competição stakhanovista. Competição
socialista entre as fábricas ou entre grupos da mesma fábrica para vencerem uns
aos outros nos resultados, foi coisa introduzida logo no princípio do I Plano
Quinquenal. Foi melhorando cada vez mais, até que as “brigadas de choque”
stakhanovistas apareceram, em 1935.
Em poucas palavras, tratava-se de um
plano baseado em taxas de bonificação que fazia com que o operário extraísse a
sua última grama de energia, e se excedesse, procurando atingir um sempre
crescente padrão de trabalho por tarefa. Transformou-se numa forma de ritmo
ofegante para os mais jovens e a melhor a seguir para a média dos
trabalhadores. Finalmente, atingiu o estágio de “um esforço louco”, além
da capacidade humana de suportar. Naturalmente a “psicologia socialista” foi
ajudando.
Um professor de psicologia marxista “provou”
que a fadiga era altamente subjetiva. A norma foi estabelecida pelos operários
mais sadios. No entanto, o trabalhador que conseguisse apenas atingir a norma
era incapaz de alimentar suficientemente sua família. Sobre a pressão das taxas
de bonificação, ele aumentava as horas de trabalho voluntariamente, para
conseguir taxas alem da norma. Naturalmente, todos faziam a tentativa, mas logo
que um número de tantos operários excedia a velha norma, ela era elevada. Isso
era chamado de “revisão de normas”.
Os suplícios medievais eram um plano
horizontal, com os prisioneiros estendidos no solo, cabeça e pés atados a
barras. Dois carcereiros, um à cabeça e outro aos pés, giravam as barras para
conseguirem o efeito de distensão. Por outro lado, o supliciado vertical
assemelha-se a um homem com seus pés acorrentados a uma rocha na praia,
procurando erguer-se contra a maré que vai aumentando continuamente, lutando
para evitar ser afogado.
O resultado de tudo isso foi que a
URSS foi capaz de mostrar ao mundo uma extraordinária rapidez na transformação
industrial do país.
Assim foi que Karl Marx profetizou corretamente: “À proporção
que o capital se acumula, a sorte dos trabalhadores, seja o seu pagamento alto
ou baixo, tende a tornar-se pior. Acúmulo de fortuna num pólo é, ao mesmo
tempo, acúmulo de miséria, labuta penosa, escravidão, ignorância, brutalidade,
degradação mental, no pólo oposto”.
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O texto acima é um resumo do capítulo
“O Grilhão - Congelamento do Emprego”, do livro “O Nome Secreto”, de
autoria de Lin Yutang, editado no Brasil em 1961 pela Editora Itatiaia Ltda.
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