Artigo no Alerta
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Por Maria Inês Vasconcelos
A tragédia ocorrida em Brumadinho, que ceifou a vida de
pelo menos 150 pessoas, em sua maioria empregados, está longe de ser um
fenômeno isolado e desconectado da pauta que estuda a violência do
trabalho.
A precariedade e violência sempre estiveram presentes nas
relações laborais, provocando situações gravíssimas como a que ocorreu em
Brumadinho, e nos fazendo reviver, pela brutalidade, o incêndio ocorrido
em Nova York, em 1911, na fábrica de camisa Triangle Shirtwaist.
Naquela ocasião, 136 mulheres e 21 homens morreram em razão de
um acidente de trabalho ocorrido na indústria, que ocupava os três últimos
andares de um edifício com dez andares. Além da empresa ter se recusado a
assinar um acordo com um dos maiores sindicatos dos EUA, na época, as condições
da fábrica contavam com tecidos inflamáveis guardados em toda a
fábrica, iluminação a gás e não existiam extintores de incêndio. Com
isso, grande parte dos funcionários não conseguiram se salvar, pois as saídas
estavam fechadas com a justificativa de impedir que os operários saíssem
durante o período de trabalho ou roubassem materiais, e a única saída de
emergência se arruinou pelo peso daqueles que tentavam escapar. A sirene não
tocou.
O ocorrido, aflorou o debate acerca dos critérios rigorosos
sobre as condições de segurança no trabalho, assim como para o crescimento dos
sindicatos. Se pensarmos em termos de acidente de trabalho, em violência,
em precariedade das condições de mão de obra, os fenômenos se equiparam, muito
embora, os fatos se distanciem em cerca de 100 anos.
Não desejamos “psicologiar” o fenômeno da violência no
trabalho, mas é impossível desviar de Freud, que se
afastando dos estudos acerca da sexualidade humana, arvorou em
outros campos, sobretudo por ocasião da guerra e estudou um tema muito
pungente: a pulsão da destruição humana. Concluiu, àquela época, que o
homem, infelizmente, tende a destruir o outro homem. Essa pulsão
“desumana” de Freud responde com constrangedora simplicidade ao fenômeno
da violência coletiva, ocorrida nas guerras, genocídios e outras formas de
extermínio.
A tragédia ocorrida em Brumadinho, Mariana (2015) e o incêndio
na camisaria Triangle também são formas de extermínio do homem pelo
próprio homem, que atua, pelo menos em tese, com uma pulsão de destruição, pela
não prevenção da violência ou outros valores do mal. Ainda
que Freud explique e compreendamos que a existência desta força
existe dentro do próprio homem, não podemos legitimar o fenômeno e aceitar, sem
esbravejar, a morte de tantos trabalhadores.
“Compreender não é perdoar”, afirmou o historiador
americano Christopher Browning, em sua obra sobre o Holocausto
em Hamburgo, que envolviam os carrascos que executavam em massa
judeus poloneses, com frieza e alienação.
Achar um sentido nisto tudo, nos leva à tentativa de buscar na
incoerência uma explicação legítima para estas mortes, o que é
praticamente impossível. Podemos dizer que Freud, explica, mas mesmo
assim, permanecem várias dúvidas e centenas de vítimas reféns da
inteligência provocadora do mal.
Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, afirmou
durante anos que os Estados democráticos sempre se ajustaram em sua promessa e
responsabilidade de proteger e zelar pelo bem-estar coletivo, em contrapartida
à desgraça individual. Em seu livro Cegueira Moral (2014),
Bauman traz à tona a questão da perda da sensibilidade diária em relação ao
outro no mundo contemporâneo.
Portanto, não há desculpas para os mandantes, seja ele o Estado,
seja a empresa Vale, ou engenheiros, peritos, e membros do
executivo, legislativo e judiciário. Tampouco podemos perdoar o dono
da fábrica de camisas e todos aqueles que contribuíram com sua omissão,
seja do ponto de vista jurídico, técnico ou ético, mas que
coadjuvaram para a morte de tantos inocentes.
O porquê vai sempre nos perseguir. O que fizemos? Por que isso
ocorreu? Por que a sirene não tocou? Por que o refeitório era localizado
no pior dos locais? E por que mesmo havendo previsão dos fatos, os mesmos não
foram obstados? Nunca saberemos... A sirene não tocou em Nova York também.
Finalizamos com o Primo Levi, que ao ser aprisionado nos
campos de concentração de Auschwitz, conversou com outra vítima,
sendo esse, um médico polonês que também estava preso. O
médico-vítima sabia que iria para a câmara de gás e Levi então, sem
compreender, perguntou-o, muito triste: “Por quê, por quê Rudolph? ”. E
recebeu a seguinte resposta: “Aqui não há porque (hier ist kein warum) ”.
Não há porque. Não há explicações. E recusar perdoar, é o
nosso único triunfo póstumo.
3 comentários:
Perguntou-lhe. (Vítima do socioconstrutivismo).
Se é para considerar essas tragédias no eixo freudiano Eros-Tanatos, avalio que a motivação desses capitalistas estaria mais no interesse egoísta pelo lucro (busca do próprio prazer) do que a consciênca deliberada de provocar a destruição de seus empregados (instrumentos na concecussão de seus lucros). Exagerando, poderíamos admitir que o capitalista quer a eliminação de seus concorrentes, não do empregado, porque ele investiu em seu treinamento.
Consecução.
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