“Os homens entram em batalhas e perdem, e
aquilo pelo que lutaram torna-se realidade apesar da derrota, e então acaba não
sendo o que eles pensavam que fosse, e outros homens têm de lutar pelo que desejam,
dando-lhe outro nome”. (William Morris)
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
Em 1 de
setembro de 2004, o Mídia sem Máscara publicou o texto de
Johann Hari Alerta Vermelho? Uma entrevista com Antonio Negri,
antigo líder da organização terrorista comunista Brigadas Vermelhas,
implicado em inúmeros crimes e autor do livro Império, juntamente
com Michael Hardt, professor de Literatura da Duke University. A 7ª
edição desse livro foi publicada no Brasil em 2005. Trata-se de um calhamaço
com 501 páginas.
Segundo
o texto de Johann Hari, no final dos anos 80, o presidente italiano Francisco Cossiga
descreveu Antonio Negri como “psicopata”. Ele foi acusado de assassinar Aldo
Moro e de ser “il grande Vecchio” – o grande velho – por trás
das Brigadas Vermelhas.
Império é
considerado a bíblia da antiglobalização e o Manifesto Comunista do
Século XXI.
Eis
uma frase típica de Negri, escolhida aleatoriamente em Império: “A
análise da subsunção real, quando ela é entendida como abarcando não apenas a
dimensão econômica ou apenas a dimensão cultural da sociedade, mas sim o ‘bios’
social propriamente dito, e quando ela se mostra atenta a modalidades da
disciplinaridade e/ou controle, rompe com a figura linear e totalitária do
desenvolvimento capitalista”. Depois de 400 páginas disso, a pessoa
sente-se como se tivesse sido violentada por um dicionário de sociologia,
escreveu Johann Hari, e prossegue:“Pela milésima vez me esforço para
entender o que diabos quer dizer ‘biopoder’ (e como ele vai motivar a ‘turba’ a
‘substituir’ a Cidade de Deus pela Cidade do Homem)”. Mas o Império não
é o fim da História, pois “pouco a pouco emerge um
‘Contra-Império’, feito de desiludidos, que resistem ao ‘Império’ - desde
revolucionários sul-americanos até fundamentalistas islâmicos. Em breve eles
vão se levantar e instituir a ‘cidadania global’”.
Ou
melhor, como se diz agora, em 2014, o Estado Islâmico, o EI.
George
Monbiot, um dos mais importantes intelectuais do movimento antiglobalização,
admitiu:“Existe uma brincadeira que faço com meus amigos e que consiste em
abrir esse livro em qualquer página, aleatoriamente, colocar o dedo sobre um
parágrafo e ver se você consegue decifrar o que ele quer dizer”.
Resumindo:
Antonio Negri inventou um vocabulário para tentar manter vivo um paciente, o
marxismo, cujo coração parou de bater há muito tempo.
Alguns
trechos do Prefácio de Império, extraídos das páginas 11
a 17:
“O
Império está se materializando diante de nossos olhos. Nas últimas décadas, em
ritmo mais veloz quando as barreiras soviéticas ao mercado do capitalismo
mundial finalmente caíram, vimos testemunhando uma globalização irresistível de
trocas econômicas e culturais. Juntamente com o mercado global e com circuitos
globais de produção, surgiu uma ordem global, uma nova lógica e estrutura de
comando – em resumo, uma nova forma de supremacia. O Império é a substância
política que, de fato, regula essas permutas globais, o poder supremo que
governa o mundo.
Muita
gente sustenta que a globalização da produção e da permuta capitalistas é prova
de que as relações econômicas tornaram-se mais independentes de controles
políticos, e, consequentemente, que a soberania política está em declínio.
Há ainda quem comemore essa nova era como uma libertação da economia
capitalista de restrições e distorções que as forças políticas lhe impunham; e
não falta quem veja e lamente nisso o fechamento de canais institucionais que
permitiam aos trabalhadores e cidadãos influenciar ou contestar a fria lógica
do lucro capitalista.
Em sintonia com o processo de globalização, a soberania
de Estados-nação, apesar de ainda eficaz, tem gradualmente diminuído. Os
fatores primários de produção e troca comportam-se cada vez mais à vontade num
mundo acima das fronteiras nacionais; com isso, é cada vez menor o poder que
tem o Estado-nação de regular esses fluxos e impor sua autoridade sobre a
economia. O declínio da soberania dos Estados-nação, entretanto, não quer dizer
que a soberania como tal esteja em declínio. Através das
transformações contemporâneas, os controles políticos, as funções do Estado e
os mecanismos reguladores continuaram a determinar o reino da produção e da
permuta econômica e social. A soberania tomou nova forma, composta de uma série
de organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regra única.
Essa nova forma global de economia é o que chamamos de Império.
A
soberania declinante dos Estados-nação e sua crescente incapacidade de regular
as permutas econômicas e culturais, é um dos sintomas primários da chegada do
Império. A soberania do Estado-nação era a pedra angular do imperialismo que as
potências européias construíram na Idade Moderna. O Império, entretanto, deve
ser entendido como algo completamente diverso deimperialismo. O imperialismo
era, na realidade, uma extensão da soberania dos Estados-nação europeus além de
suas fronteiras.
A
transição para o Império surge do crepúsculo da soberania moderna. Em contraste
com o imperialismo, o Império não estabelece um centro territorial de poder,
nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas. É um aparelho
de descentralização e desterritorialização do geral que
incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas fronteiras abertas
e em expansão. O Império administra entidades híbridas, hierarquias
flexíveis e permutas plurais por meio de estruturas de comando reguladoras.
Muita
gente identifica os EUA como a autoridade definitiva que rege o processo de
globalização e a nova ordem mundial. Simpatizantes aplaudem esse país como
expoente do mundo e única superpotência, enquanto detratores o denunciam como
opressor imperialista. A acusação mais grave que os detratores podem fazer é a
de que os EUA estão repetindo as práticas dos velhos imperialistas europeus,
enquanto os defensores festejam os norte-americanos como um líder mundial mais
eficaz e benevolente, que acerta onde os europeus erraram. Nossa hipótese
básica, entretanto, de que uma nova forma imperial de supremacia surgiu,
contradiz ambas as teorias. Os EUA não são e nenhum outro Estado-nação poderia
ser, o centro de um novo projeto imperialista, pois o imperialismo acabou.
Os
EUA ocupam, de fato, posição privilegiada no Império, e esse privilégio decorre
não de semelhanças com antigas potências imperialistas européias, mas de
diferenças em relação a elas.
Deve
ser salientado que Império é usado aqui não como metáfora, mas como
conceito. O conceito de Império caracteriza-se fundamentalmente pela ausência
de fronteiras, pois o poder exercido pelo Império não tem limites. O conceito
de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço.
Nenhuma fronteira territorial confina o seu reinado. Em segundo lugar, o
conceito de Império apresenta-se não como um regime histórico nascido da
conquista e sim, como uma ordem que na realidade suspende a história e, dessa
forma, determina, pela eternidade, o estado de coisas existente.
Dito
de outra forma, o Império se apresenta, em seu modo de governo, não como um
momento transitório no desenrolar da História, mas como um regime sem
fronteiras temporais e, nesse sentido, fora da História ou no fim da História.
Em terceiro lugar, o poder de mando do Império funciona em todos os registros
da ordem social, descendo às profundezas do mundo social. O Império não apenas
administra um território com sua população, mas também cria o próprio mundo em
que ele habita. Não apenas regula as interações humanas como procura reger
diretamente a natureza humana. O objeto do seu governo é a vida social como um
todo, e assim o império se apresenta como forma paradigmática de biopoder.
Finalmente, apesar da prática do Império banhar-se continuamente em sangue, o
conceito de Império é sempre dedicado à paz – uma paz perpétua e universal fora
da História.
A
transição para o Império e seus processos de globalização oferece novas
possibilidades para as forças de libertação. A globalização, é claro, não é uma
coisa única, e os múltiplos processos que chamamos de globalização não são
unificados nem unívocos. As forças criadoras da multidão que sustenta o Império
são capazes também de construir, independentemente, um Contra-Império, uma
organização política alternativa de fluxos e intercâmbios globais. Os esforços
para contestar e subverter o Império, e para construir uma alternativa real,
terão lugar no próprio terreno imperial – na realidade essa nova luta já
começou. Mediante tais esforços e muitos outros da mesma natureza, a multidão
terá que inventar novas formas democráticas e novos poderes constituintes que
um dia nos conduzirão através e além do Império.
As
forças que contestam o Império e prefiguram uma sociedade global alternativa
não estão, elas próprias, limitadas a qualquer região geográfica. A geografia
desses poderes alternativos, a nova cartografia, ainda espera ser escrita ou,
na verdade, está sendo escrita com muita resistência, muita luta e com os
desejos da multidão”.
Dois
textos interdisciplinares serviram de modelo para o livro de Antonio Negri e
Michael Hardt: O Capital, de Marx e Engels, e Mil Platôs, de
Gilles Deleuze e Félix Guattari. Os autores assinalam que esperam, com o livro,
oferecer uma base teórica e ferramentas conceituais para teorizar e agir dentro
do Império e contra ele.
Resumindo: um livro ininteligível.
Carlos I. S.
Azambuja é Historiador.
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