Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Cláudia Silveira Martins
A proximidade dos Jogos Paralímpicos
me provocou, pela primeira vez na vida, a vontade de escrever sobre o assunto.
O receio em me manifestar vem de uma reação - impregnada no senso-comum - que
costuma esvaziar o discurso de quem se implica diretamente a uma determinada
condição. A identificação direta com a questão da deficiência, no entanto,
aliada à consciência de que estamos falando da alma humana acima de tudo, me permitem
transpor os clichês com que a sociedade aborda e encaminha esse tema.
O resgate histórico feito por
Vinicius Gaspar Garcia nos esclarece que as pessoas com deficiência
"receberam, via de regra, dois tipos de tratamento quando se observa a
História Antiga e Medieval: a rejeição e eliminação sumária, de um lado, e a
proteção assistencialista e piedosa, de outro". Mas o mais relevante do
seu estudo não são os fatos abomináveis cometidos pela humanidade diante da
deficiência como, por exemplo, os Espartanos terem permissão para jogarem no
abismo os filhos recém nascidos considerados "feios, disformes e franzinos
" ou a utilização comercial de pessoas com deficiência para fins de
prostituição ou entretenimento das pessoas ricas na Roma Antiga ou, já no séc.
XX, as pessoas com deficiência serem submetidas a "experiências científicas"
na Alemanha Nazista. Garcia chama a atenção para o fato de que o processo de
integração das pessoas com deficiência no tecido social ser um processo
errático, não-linear, ou seja, não há, em perspectiva mundial, um processo
homogêneo e contínuo de integração. Além disso, minha experiência na inclusão
escolar como aluna e como profissional referenda a visão de Garcia de que essa
integração foi e ainda é muito marcada por trajetórias individuais.
Neste aspecto, a Declaração de Salamanca,
(Salamanca, 1994), uma resolução das Nações Unidas que trata dos princípios,
política e prática em Educação Especial, estabelece um marco, sendo um dos mais
importantes documentos que visam à inclusão social. Nesta Declaração, são
propostos dois conceitos aparentemente semelhantes, mas substancialmente diferentes,
quando se aborda a diferença pelas deficiências (de qualquer ordem), a saber:
INTEGRAÇÃO e INCLUSÃO. A integração da pessoa com deficiência na sociedade
combate a sua exclusão dos espaços e sistemas sociais como família, trabalho,
educação e lazer. Mas não é tudo! A inclusão pressupõe que a sociedade possa se
adaptar para incluir a pessoa com deficiência nestes sistemas sociais, enquanto
esta também se prepara simultaneamente para ocupar seus papéis na sociedade.
Li na entrevista de Marcelo Rubens
Paiva - no site oficial das Paralimpíadas - algo que exemplifica essa quase
inversão da lógica sobre a deficiência. Reproduzo aqui. Diz ele:
"Quando cheguei na Escola de
Comunicações e Artes da USP, tinha escada. Minha reação foi: a USP não tem nada
a ver com meu problema, eu sofri o acidente, culpa minha. Meus amigos me carregavam.
Até que meus amigos, revoltados, pediram para mudar a aula para o térreo. Eu
mesmo não tinha pensado nisto, tinha vergonha de exigir. Hoje, se eu chego num
lugar que tem escada, eles pedem desculpas, não eu. Todo mundo pede
desculpa".
Integrar e incluir são condições
preliminares para que as pessoas possam construir subjetivamente novos
conceitos sobre a pessoa com deficiência. E aí, volto ao começo, os Jogos Paralímipcos.
Eu sabia que algo me incomodava neste nome e que nada tinha a ver com a
sonoridade da palavra. Eu sabia que "para", como prefixo, se
associava a algo "justaposto", "junto" ou
"paralelo". Descobri que originalmente o termo "Paraolimpíada"
fazia referência ao de "paraplegia", mas que, com a diversificação
das modalidades esportivas ampliadas a outras deficiências, o prefixo perdeu o
sentido. Portanto, Paraolímpiadas ou Paralimpiadas pretende aludir à proximidade
e semelhança aos Jogos Olímpicos.
Bem, comparado ao tempo em que se
exterminavam deficientes, presenciar a criação de um Comitê Paraolímpico
Internacional que hoje trabalha junto com o Comitê Olímpico Internacional me
parece verdadeiramente outro marco histórico. Mas ainda me incomoda pensar que,
se existem atletas e paratletas, vivemos, em algum grau, o nível da segregação.
Afinal, não sou paraprofessora ou parapsicanalista, não é?
Meu convite fica para que assistamos
aos ATLETAS das Paralimpíadas sem o olhar piedoso, cristão e assistencialista
que se deslumbra com seu desempenho justamente por julgá-los incapazes. O que as
pessoas com deficiências fazem é um processo intenso de adaptação e que revela
um potencial HUMANO (e não parahumano). Esse processo de adaptação é constante
no ser humano. Em todos os seres humanos! E é diário. Dependendo das condições
sócio-históricas, políticas e econômicas em que um povo vive, se torna mais ou
menos fácil, mais ou menos penoso, mais ou menos violento, mais ou menos
desafiador, mais ou menos justo.
Penso que, com ou sem deficiência,
atletas são sempre importantes exemplos de superação. Penso também que o evento
das Paralimpíadas pode ser, para quem assiste, uma experiência subjetiva única
sobre a diversidade humana e que vai muito além do objetivo de integrar a
pessoa com deficiência.
Mergulhemos, então, nesta
experiência! E dá-lhe Brasil que nesta edição do evento participará com 278
atletas em 23 modalidades esportivas!
Referência:
http://www.cpb.org.br/
http://www.bengalalegal.com/
Cláudia Silveira Martins é Psicóloga,
Psicanalista e Professora da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre.
Originalmente publicado no Facebook
da autora em 25/08/16.
Nenhum comentário:
Postar um comentário