Meira Penna
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
O texto abaixo foi publicado no livro “Para Compreender o
Fenômeno Brasileiro”, escrito pelo jornalista LUCAS BERLANZA. O livro propõe a
apresentação do processo de ressurgimento de uma nova direita no Brasil por um
compilado de ensaios sobre alguns dos clássicos do pensamento político
ocidental, de autores já consagrados pelo tempo, mas também de outros em plena
atividade criadora, num diálogo entre os mortos, os vivos e os que estão para
nascer, dentro da lição fundamental do conservadorismo. Um antídoto contra a
insanidade mental dominante, dos que odeiam a divergência e sequer imaginam que
a Verdade é patrimônio de todos e de ninguém.
Intelectuais, profissionais liberais, estudantes, fazendeiros, empresários e jovens de todo o país que desprezais as carreiras na Nomenklatura e pretendeis enriquecer na iniciativa privada, uní-vos! Nada tendes a perder, a não ser as algemas que vos são impostas pela pseudo-elite política, os ladrões de colarinho branco, e os trogloditas que pretendem manter a nacionalidade no patrimonialismo selvagem! Com essas palavras provocadoras, que representam muito bem a tática do opúsculo. o embaixador aposentado José Osvaldo de Meira Penna, põe um ponto final ao seu livro Decência Já!
Editado pelo Instituto Liberal, esse trabalho é uma coletânea de
contos e comentários publicados em jornais como O GLOBO, O ESTADO DE SÃO PAULO,
A TARDE, JORNAL DA TARDE e DIGESTO ECONÔMICO, datados do final dos anos 80,
acompanhando o início d Nova República, até o governo Collor. Representante do
Brasil em diversos países e testemunha vigilante da Historia, Meira Penna aí se
revela com toda sua personalidade intensa e sua bagagem teórica profunda.
Parece curioso perceber nas suas referências constantes aos
economistas da Escola Austríaca (Hayek e Mises), aos teóricos liberais
clássicos (Locke, Smith e Bastiat) e a Burke – sobre quem se refere como
um dos maiores parlamentares britânicos e “um dos maiores parlamentares
britânicos e um dos teóricos do pensamento liberal-conservador” – o tipo de
discurso e bibliografia que anima o movimento moderno de pensamento que oferece
uma alternativa o estatismo esquerdista dominante no país. Com virulência e sem
papas na língua, Meira Penna se dedica a bombardear as propostas hegemônicas,
no momento em que se tentava esboçar um novo rumo para o Brasil. Não faltam
críticas duras a figuras como o peemedebista clássico Ulysses Guimarães.
Entre os diversos assuntos que Meira Penna aborda, alguns se
destacam pela recorrência: a Constituição de 1988, o “democratismo” ao
patrimonialismo no Brasil – este último comparado várias vezes à realidade
russa, que o autor demonstra conhecer profundamente. O grande problema do
Brasil na sua tentativa de se desgarrar do peso do Estado colossal, é o que ele
chama de “ideologia nacional-socialista”, que é “capaz de unir num consenso
berrante, militares de linha dura, empresários parasitas de reservas de
mercado, empresários nordestinos e políticos fisiológicos” e “representa um
verdadeira enfermidade coletiva de prognóstico imprevisível”.
Essa tendência, estimulada pela longa trajetória de confusão
entre o universo político e as vantagens privadas obtidas via máquina estatal,
continua sendo inspiração para a chamada “Constituição cidadã” de 88. Penna
observou que essa realidade se intensificava com a articulação ante um
importante investimento cultural e ideológico, ancorado em Gramsci e na Escola
de Frankfurt (inclusive fazendo citações bem sugestivas ao então Secretário de
Cultura, Rouanet, inspirador da lei doe mesmo nome, Istoé, a base metódica da
“intelligentsia botocuda”, com a “nova classe tecnoburocrática e
política”.
Ecoando a crítica burkeana, Meira Penna defende o velho Wiggismo
britânico, herdeiro da liberdade e da desconcentração de poderes possibilitadas
pela Magna Carta de 1215, e contrapõe seu legado ao da mentalidade
revolucionária francesa e ao jacobinismo, que nos teria fornecido as raízes do
socialismo e do nacionalismo doentio. Influenciados por esse modelo, os países
da América Latina viveriam sempre à sombra do terror jacobino “de esquerda” ou
do autoritarismo bonapartista “de direita”. Em vez de institucionalizar a
liberdade, como fizeram Smith, Locke, o próprio Burke e os “pais da Pátria”
americana de 1776, que “conciliaram a ordem e a liberdade numa estrutura
legal”, preferimos o “modelo romântico de Rosseau, Robespierre, Saint-Just,
Babeuf e Bonaparte”, eu nos condenaria a uma tensão entre “o despotismo dos
caudilhos fardados” e o “democratismo dos agitadores”.
Ele ainda faz adições pertinentes de que talvez não
desconfiássemos, como a importância do pensamento de Hobbes – que, em que pese
tenha ficado identificado com o período de absolutismo, aparece aqui, em
análise que merece ser lida na integra, como paradigma originário para a defesa
de um Estado com atribuições restritas, O grande tema de Penna é mesmo, porém,
entre as instituições, devendo ser mantidas em seu justo limite e não pesando
sobre os ombros dos cidadãos, e o caráter que, lamentavelmente, parece ter
prevalecido na Constituinte da Nova República: “a atmosfera geral de
democratismo romântico, reacionário e estatizante” que a contaminou, imbuída do
espírito ‘construtivista” que Hayek tanto criticava, crentes que estavam os
constituintes e que as linhas de seus decretos, naquele documento inchado,
podiam transformar magicamente a realidade. Crentes em que, abarrotando um
pedaço de papel com reclames or “direitos”, esses “direitos” estariam
automaticamente concretizados , e isso teria mais valor do que a enxuta e
basicamente intocada Constituição americana, ou a inglesa, sequer escrita, que
deita suas raízes na Carta Magna do século XIII.
Meira Penna, defendendo a monarquia parlamentar, mas,
fundamentalmente, a libertação das forças produtivas da sociedade, e a
descontração de poderes, empreende uma análise minuciosa de aspectos em que as
nossas instituições poderiam melhorar para nos permitir um respiro nesse
cenário. Em um passeio temático, que ainda conta com citações de Rui Barbosa,
Milton Friedman, Buchanan e Karl Popper, bem como uma constelação de outras
figuras, “Decência Já” é, de muitas maneiras, o mais importantes “pequenos
grandes” livros eu já tivemos a oportunidade de ler.
Com uma linguagem mordaz e uma sucessão de tiros certeiros, o
lendário Meira Penna prova, nas poucas páginas desse título, que SUS
pensamentos e alertas seguem, como poucos – e, diga-se de passagem, tristemente
– atualíssimo.
PS - Meira Penna morreu, aos 100 anos de idade, em 29 julho de
1917
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Um comentário:
"PS - Meira Penna morreu, aos 100 anos de idade, em 29 julho de 1917"
Leia-se 2017. Em 1917 ele nasceu.
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