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Por Carlos Henrique Abrão
Em fato
relevante do último dia 30 de janeiro, a Petrobrás comunicou ao mercado que
depositará judicialmente cerca de R$1,25 bilhão para pagar possíveis
indenizações a investidores brasileiros prejudicados por atos ilícitos
praticados pela companhia no âmbito da Lava Jato. Esse valor corresponde a
metade do valor do Acordo de Assunção de Compromissos celebrado com o
Ministério Público Federal (MPF), que decorreu do acordo de leniência celebrado
com a Securities Exchange Commission e o Departamento de Justiça
norte-americano.
Foi neste
acordo celebrado nos EUA que a Petrobrás assumiu expressamente sua
responsabilidade pelos atos de seus administradores e confessou a prática de
diversos atos ilícitos, entre eles a publicação de informações falsas ao
mercado. Tal acordo proíbe a Petrobrás de negar a prática desses ilícitos e sua
responsabilidade pelos mesmos, sob pena de anulação desse acordo e de severas
sanções pelas autoridades norte-americanas.
Como os
investidores de Nova York já foram indenizados pela Petrobrás, as autoridades
norte-americanas aceitaram que 80% do valor do acordo de leniência fosse
destinado a compensar brasileiros prejudicados pelos atos ilícitos confessados
pela Petrobrás.
O fato
relevante da semana passada foi a primeira oportunidade em que a Petrobrás
sinalizou que irá indenizar os investidores brasileiros. Até então a companhia
se autodefinia como vítima em sua relação com os investidores brasileiros que
adquiriram suas ações na B3. Isso apesar de ter confessado nos EUA que prestou
deliberadamente informações falsas ao mercado durante anos, e de já ter
indenizado na class action norte-americana aos investidores que compraram ADRs
na bolsa de Nova York.
Essa nova
posição do MPF e da própria Petrobrás representa um marco na evolução do nosso
mercado de capitais e nos deixa esperançosos que o mercado brasileiro, enfim,
possa ser considerado confiável e maduro, permitindo que possamos captar os
recursos necessários para implementar os importantes projetos que desenvolverão
nosso país, com um mínimo de segurança jurídica para os investidores.
A
propósito, no seu discurso de abertura do Fórum de Davos, o presidente
Bolsonaro disse que quer colocar o Brasil entre os países com melhor ambiente
para negócios, trazendo segurança para os investimentos externos. Seria
absolutamente contraditório se o próprio governo, por meio de uma empresa
estatal, fosse o responsável por exacerbar a insegurança jurídica, que é,
segundo os investidores estrangeiros, o principal entrave para se investir no
Brasil.
De fato,
não há nenhuma razão para a Petrobrás não indenizar os investidores que
adquiriram suas ações na Bolsa brasileira. Não há a menor dúvida que as normas
brasileiras que regulam o mercado de capitais preveem o dever da companhia
emissora de publicar informações verdadeiras e completas, prevendo sua
responsabilidade em caso de descumprimento desse dever. No caso da Petrobrás,
sua responsabilidade é ainda mais flagrante, tendo ela expressamente confessado
a publicação de informações falsas e já indenizado os investidores que
adquiriram ações na Bolsa de Nova York.
Nosso
mercado não pode continuar a ser visto como uma loteria em que as companhias
estão autorizadas a trapacear sem nenhuma consequência. E, no caso de serem
descobertas, basta a essas companhias infratoras eleger um administrador
qualquer como testa de ferro que pagará uma multa irrisória à CVM, e os
investidores que confiaram suas economias à esta companhia terão que arcar com
todo o prejuízo decorrente das informações falsas que recebeu.
Quem seria
idiota de investir na B3 se pode comprar ações de uma mesma estatal brasileira
na bolsa de Nova York ou em outra bolsa estrangeira, se lá fora ele é
indenizado por qualquer ilicitude praticada por essa empresa, enquanto aqui ele
será obrigado a pagar do próprio bolso pelas consequências das infrações
praticadas por esta companhia?
Há que se
entender que o verdadeiro patriotismo está em desenvolver nosso mercado
nacional e não em acobertar os malfeitos praticados na Petrobrás durante os
últimos governos. Devemos pensar em nossa economia no longo prazo, e não nos interesses
de certos administradores de estatais e de políticos que querem salvar a
própria pele.
Não pode o
governo federal fechar os olhos para os milhares de investidores brasileiros
que foram prejudicados, muito menos consolidar essa situação discriminatória em
relação aos investidores estrangeiros que já foram indenizados. Juridicamente
não há nenhuma distinção entre acionistas que adquiriram ações na B3 e aqueles
que adquiriram ADRs, são todos acionistas de mesma classe. O princípio
constitucional da isonomia exige que a Petrobrás ofereça proporcionalmente aos
acionistas brasileiros, no mínimo, o mesmo valor pago aos investidores
norte-americanos.
É sabido
que, ressalvados certos direitos que somente podem ser exercidos por
brasileiros, impera o princípio da igualdade e da isonomia em nosso país, o que
seria inédito é o governo brasileiro, por meio de uma empresa estatal,
privilegiar o capital estrangeiro em detrimento de seus próprios nacionais.
Ampara-se,
assim, o tecnicismo da Lei n.º 13.506/2017, conforme expusemos (Processo
Sancionador – Carlos Henrique Abrão e outros – editora IASP – 2018), no sentido
de maior supervisão do mercado e justa indenização plural dos prejuízos
acarretados.
Carlos Henrique Abrão é desembargador
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
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