Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos Blanco de Moraes
Escolher apenas o Brasil como alvo, porque
alguém elegeu Bolsonaro como inimigo público, envolve o uso de dois pesos e
duas medidas e torna verosímil uma teoria da conspiração.
Com o crepitar da floresta tropical, o
simplismo das televisões reduziu a crise da Amazónia a um Macron filantropo e
salvador do “pulmão do mundo” e a um Bolsonaro diabólico que comete “ecocídio”.
O tema merece algumas respostas sintéticas a cinco questões pertinentes.
1. A Amazónia é o pulmão da humanidade? Quando
Macron postou que “A floresta Amazónica, os pulmões que produzem 20% do
oxigénio do Planeta, está em chamas”, a mensagem tornou-se dogma de fé quando
foi multiplicada pelo “jet set” internacional nas redes, com fotos de florestas
em labaredas. Chamas à parte, os dados da mensagem são falsos. Em primeiro lugar,
o “pulmão do mundo” são os oceanos (Nadvinder Malhi) e não a floresta tropical.
Em segundo, a Amazónia não produz 20% do oxigénio mundial, mas entre 9% (Malhi)
e 6% (Foley). Em terceiro, como atesta Dan Nepstad, a Amazónia absorve a
maioria do oxigénio que produz através da fotossíntese. Finalmente, as imagens
dos fogos divulgadas pelas celebridades foram manipuladas, como atestou o New
York Times: a foto de Macron e Di Caprio tinha 20 anos; a de Madonna 30; e a de
Cristiano Ronaldo era de 2013. Nas redes e nas televisões, frases bombásticas e
fotos dramáticas, mesmo forjadas, valem por mil palavras.
2. Os fogos este ano ultrapassaram a média dos
anos anteriores? O arquétipo do Presidente do Brasil, apelidado de “BolsoNero”,
incitando os madeireiros a queimar a Amazónia, assomou as redes e narcotizou
turbas que nas ruas gritaram: “Queimem fascistas não florestas”! “Hate speech”
à parte, é um facto que o ano 2019, até agosto, foi, desde 2013, um dos piores
em área ardida, coincidindo com um maior abate de árvores, se bem que um
relatório da Comissão Europeia indique que a área queimada no Brasil estará na
média dos últimos 18 anos.
Pese a gravidade da situação que se arrasta
com queimadas sazonais descontroladas e ilegais, ano após ano, os dados do IMPE
(vide o quadro 1, ainda incompleto), revelam que as maiores áreas ardidas
ocorreram em 2005 e 2010, quando o Presidente era Lula. Não consta que apelos a
“autos de fé” tenham sido então feitos contra o PT e o seu líder.
3. Os fogos da Amazónia atingiram uma escala
muito superior à de outros Estados? A atentar nas televisões seria o incêndio
do século! Embora se fale em 1 milhão e 800 mil hectares ardidos (uma
destruição grave da biodiversidade), na Bolívia arderam até ao final de agosto
mais de 1 milhão de hectares e ninguém exigiu a cabeça do chavista Evo Morales.
Na Rússia, em 2019, arderam na Sibéria dois milhões de hectares de tundra (área
da Bélgica) e Macron não incomodou Putin. Na Califórnia, em 2018, arderam 766
mil hectares e em Portugal, em 2017, 500 mil hectares! Portugal, conhecedor das
dificuldades dos incêndios estivais, solidarizou-se, e bem, com Brasília, ao
invés de endossar o discurso das sanções. É que escolher apenas o Brasil como
alvo, porque alguém elegeu Bolsonaro como inimigo público, envolve o uso de
dois pesos e duas medidas e torna verosímil uma teoria da conspiração.
4. Qual o sentido de internacionalizar a
Amazónia? A insistência de Macron em internacionalizar a Amazónia na ONU
constitui uma tentativa da França e de um conjunto de interesses económicos
para, sob pretexto de uma emergência ambiental, diminuírem a soberania
brasileira sobre um território riquíssimo em recursos. Aproveitando a
fragilidade económica legada pelos governos do PT, a estratégia neocolonial de
Macron é a de limitar o Brasil ao desenvolvimento de apenas 20% do seu
território, na base de uma tutela externa sobre a exploração agrícola, mineira,
e áreas indígenas. Ora, de entre os protagonistas dessa tutela encontra-se uma
França que, por coincidência: i) quer um pretexto para evitar a cólera dos seus
agricultores e não assinar o acordo UE/Mercosul; ii) faz fronteira com a
Amazónia brasileira na Guiana Francesa; iii) dispõe, desde os anos 80, de mapas
sobre reservas minerais e povos indígenas; iv) criou canais diretos entre a sua
diplomacia e o estado brasileiro do Amapá; v) e envia o seu ministro dos
Estrangeiros ao Brasil, para contactar ONG’s e governadores. No contexto desta
“filantropia ambiental”, é provável que, durante a próxima Assembleia Geral da
ONU e do estranhíssimo Sínodo da Amazónia convocado pelo Papa Bergoglio, possam
ser orquestrados apelos a um boicote a mercadorias. Coincidência ou não, o
Expresso publicou um artigo lastimável onde se incitava subliminarmente ao
boicote, dando nota que, em Portugal, um punhado de açougueiros tontos
boicotariam carne brasileira. Quando a tensão está à flor da pele, quem assim
age não estimulará retaliações contra produtos portugueses no Brasil? O facto é
que Brasília pode vir a enfrentar campanhas poderosas de boicote que, mais do
que com discursos inflamados, devem ser combatidas com a solidariedade dos
países amigos, com uma diplomacia incisiva e com uma politica de comunicação
que divulgue dados fiáveis sobre a estratégia de combate a fogos e ações de
preservação ambiental.
5. Existe o risco de uma intervenção militar
internacional na Amazónia? A questão parece ficcional mas foi tema do artigo de
um professor de Harvard na Foreign Affairs, sob o título “Quem vai invadir o
Brasil para salvar a Amazónia?” Ficou dado o mote sobre a hipótese de invocação
dos artigos 1.º , 39.º e 42.º da Carta da ONU, para autorizar o uso da força
contra um Estado, em caso de rotura “da paz internacional”, equiparando-se essa
rotura à “inércia” do Brasil em lidar com um “ecocídio”na Amazónia. Não existe,
hoje, esse risco, embora os militares brasileiros há muito o levem a sério.
Semelhante ação militar seria vetada pelos EUA, Reino Unido e a China no
Conselho de Segurança. Mais inverosímil, ainda, seria uma aventura militar da
França fundada na noção de “responsabilidade para proteger” por razões
humanitárias que, contrariamente ao que diz o professor de Harvard, jamais
constituiu um principio de Direito Internacional geral que justifique o uso da
força por um Estado contra outro. Uma intervenção militar destinada a ocupar a
Amazónia estaria votada ao insucesso. O Brasil possui um dos melhores exércitos
especializados em combate na selva, num terreno que conhece. Ora, a luta na
selva nunca foi o forte da França, que se arriscaria a um novo Dien Bien Phu no
temível “inferno verde”, onde um dia desapareceu, sem deixar rasto, o
experiente explorador Percy Fawcett.
Carlos Blanco de Morais é professor catedrático da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa. Artigo publicado originalmente no jornal Público, de
Lisboa.
Um comentário:
http://radiotelevisao.blogspot.com/2007/08/natureza.html
A natureza na Amazônia. Carlos Alberto Camargo Lima.
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