Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por
Gaudêncio Torquato
O ministro Paulo Guedes, a par
de declarações polêmicas - as pessoas não deveriam se assustar “se alguém pedir
o AI-5”-, pretende “encolher o Estado”. Deixaria sob sua égide o que é
estritamente de sua obrigação, como educação, segurança pública, saúde. Para
tanto, vai focar na privatização de centenas de empresas estatais. O que
levanta a questão: qual deve ser o escopo do Estado no governo Bolsonaro?
A tentativa de resposta começa
com a fonte que alimenta o ideário do ministro da Economia: a Escola de
Chicago, o berço do liberalismo econômico e da diminuição da intervenção do
Estado na economia, onde Guedes estudou.
Ocorre que a índole do capitão
Jair Bolsonaro e de seu entorno militar tem um DNA nacionalista, que viceja
desde os tempos do “petróleo é nosso” (anos 50). Nacionalismo que, a partir dos
militares, se identifica com Estado forte.
Um dos papas da ciência política,
o sociólogo Alain Touraine, em seus estudos, prega o aumento da capacidade de
intervenção do Estado como forma de um país atenuar as desigualdades. O Estado
tem sido fraco para debelar as mazelas. Por conta disso, o governo age no
varejo, trabalhando no curto prazo, com o presidente praticamente se limitando
a fazer agrados e benesses para operar a administração.
Libelo candente contra os
ultraliberais, para quem o mercado é o remédio para todos os nossos males, a
análise do professor, nesses tempos de globalização e economias
interdependentes, é um hino de louvor às utopias. Estado forte, por aqui, tem
sido sinônimo de autoritarismo, arbitrariedade, estrutura burocrática gigante e
ineficiente, corporativismo etc.
Como encolher o Estado de sua
estrutura paquidérmica, dando-lhe capacidade de planejar a longo prazo, sem
reformas capazes de deflagrar novos costumes e consolidar as instituições?
Começamos com a reforma trabalhista, seguida da recente reforma da Previdência,
mas essas não bastarão. O que se espera é um amplo leque de mudanças.
Seja qual for o escopo
reformista, o desafio se impõe: colocar no mesmo balaio componentes como
liberalismo, bem estar social, Estado capaz de intervir no mercado quando
necessário (os EUA na crise de 2008), institucionalização política,
racionalidade administrativa, extinção do corporativismo, mudança da política
de clientelas pelo mérito.
Fortalecer o poder de decisão do
Estado é meta a ser perseguida para se combater interesses individuais e
grupais que, entre nós, prevalecem sobre as políticas sociais. Trata-se de um
desafio que ultrapassa décadas. O governo Bolsonaro até prometeu acabar com a
velha política. Mas ainda tateia na escuridão nesse primeiro ano. No capítulo
do “encolhimento do Estado”, as coisas ainda caminham devagar. Daí a impressão
de que ainda não se chegou a um acordo em torno do tamanho do Estado. O
presidente, por sua índole, gostaria de ter mais poder e não depender tanto do
Parlamento.
O governo, por enquanto, tenta
combinar uma tática de ataque frontal a algumas questões com uma estratégia
paulatina, de operação por setor. A ciência política ensina que o reformador
deve isolar cada questão o mais depressa possível, retirando-a da agenda antes
que seus oponentes possam mobilizar forças. Se quiser fazer tudo ao mesmo
tempo, terminará conseguindo muito pouco ou nada. Se angariar condições para
operar à base de blitzkrieg, deve fazer o cerco por todos os lados,
rapidamente, antes que a oposição seja ativada. Mas o governo perdeu muito
tempo nesse primeiro ano de administração.
Reformar o Estado, como se
prega, não é tarefa para uma única administração. Maquiavel lembrava que nada é
mais difícil de executar, mais duvidoso de obter êxito ou mais perigoso de
manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos na
velha ordem, que se sentem ameaçados pela perda de privilégios, e defensores
tímidos na nova ordem, temerosos que as coisas não dêem certo.
Por último, sobram indagações:
afinal, que escopo os militares defendem para o Estado brasileiro? (até hoje
isso não está claro). Como aparar desigualdades com programas liberais, que dão
vazão a climas concorrenciais? Como atrair investimentos quando o fantasma dos
tempos de chumbo, vez ou outra, reaparece na paisagem? (Não foi o que acenou o
ministro Guedes?)
Como deixar de atender a um
parlamentar dos grotões, que ameaça votar contra o governo se não for atendido?
Enfim, qual o Estado mais adequado à nossa democracia?
Gaudêncio Torquato,
jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de
comunicação Twitter@gaudtorquato
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