Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por João
Vinhosa
Na solenidade de entrega de homenagens da 11ª edição do Referendo
Microfone Braille, realizada no último dia 29 de novembro, no auditório do
Instituto dos Cegos ‘Antônio Pessoa de Queiroz’, localizado em Recife (PE),
foi-me dada a oportunidade de falar a respeito de um inovador projeto que está
sendo repleto de êxito: o ensino à distância de Matemática para pessoas com
deficiência visual.
A propósito, o radialista cego Domingos Sávio, que, em 2009, criou o
Referendo Microfone Braille para homenagear pessoas, instituições e serviços
que se destacaram em promoções dedicadas à população com deficiência julgou
importante a divulgação na solenidade da inovadora experiência: um grupo de
cinco pessoas com deficiência visual se reúne semanalmente em Cascavel, no
Paraná, para ter aulas de Matemática com um professor que se encontra em
Recife.
A seguir, alguns trechos da apresentação feita naquela oportunidade:
O fato de já terem sido realizados dez
encontros semanais de uma hora e meia cada, sem dúvida, é um forte sintoma de
que a experiência está sendo bem-sucedida. Afinal, aula de Matemática é uma
atividade terrivelmente insuportável para o aluno que não esteja conseguindo
acompanhar a matéria.
Considerando que ensinar Matemática para uma pessoa que não domina os
pré-requisitos necessários ao assunto que vai ser estudado é completamente
diferente de ensinar Matemática para uma pessoa que domina tais pré-requisitos
–, foi necessário fazer uma programação destinada exclusivamente ao grupo de
estudos.
Devido à particularidade do caso, textos específicos para dar suporte às
aulas tiveram que ser preparados.
Na
programação que foi feita para o grupo, atenção especial foi dada para três
coisas que são óbvias, porém são frequentemente negligenciadas:
1 – Para
que o aluno despreparado entenda a matéria, é necessário que o professor desça
ao nível do aluno e venha raciocinando junto com ele até o ponto desejado;
2 – O aluno
despreparado, na maioria das vezes, sofre de “trauma de Matemática” – mal
psicológico ocasionado pela suposta incapacidade de aprender a matéria; tal
trauma, se não for adequadamente tratado, provoca o bloqueio mental e impede o
aprendizado da disciplina;
3 – O aluno
despreparado é, compreensivelmente, impaciente; isto obriga o professor a
motivá-lo logo nos primeiros instantes de cada aula, sob pena de não conseguir
a sua atenção.
É de se ressaltar que o objetivo da inovadora experiência que está sendo
realizada com o grupo de Cascavel é por demais ousado. Ele consiste em levar,
em tempo relativamente curto, deficientes visuais que não aprenderam Matemática
quando a matéria lhes foi apresentada na escola a dominar todos os conceitos de
equações de segundo grau. Em outras palavras, o objetivo da experiência é levar
o aluno do nível “zero” ao entendimento total do que realmente importa no
conteúdo de Álgebra do ensino fundamental.
Como não poderia deixar de ser, todo o estudo está sendo feito obedecendo
– com atenção redobrada – a mais marcante característica da Matemática: a
interligação entre seus diversos assuntos.
Quanto a pré-requisitos, apesar de o grupo ser preparado a partir do
zero, um pré-requisito é desejável para que os estudos sejam iniciados: a
familiaridade com as quatro operações fundamentais (soma, subtração,
multiplicação e divisão).
Atrapalharia muito o andamento do raciocínio, se a cada hora que
aparecesse contas do tipo “5 vezes 4” ou “30 dividido por 6” o aluno tivesse
que recorrer a uma maquininha de calcular. Ou, para “somar 5 com 4”, o aluno
tivesse que somar “nos dedos”.
Em outras palavras, uma pequena dose da hoje tão execrada tabuada é
absolutamente necessária.
Naturalmente, os pré-requisitos para uma determinada aula são os assuntos
dados em aulas anteriores.
Um fato da maior importância em qualquer estudo que se queira fazer de
Matemática é o seguinte: Diferentemente de outras áreas do conhecimento, para
que se entenda determinada parte da Matemática, é indispensável que se conheça
outras partes a ela interligadas.
Por exemplo, é impossível uma pessoa entender equação de segundo grau sem
entender raiz quadrada, que, por sua vez, depende do entendimento de potências.
Além disso, a interligação também existe entre os diversos níveis de uma
mesma parte da Matemática. Afinal, como um aluno poderá entender que “dois
terços é maior que cinco nonos”, se ele não dominar os conceitos fundamentais
de frações ordinárias?
Por outro lado, tal situação não ocorre na História, onde a pessoa pode
saber tudo da Segunda Guerra Mundial e nada da Primeira Guerra. Também, não
ocorre na Geografia, onde a pessoa pode saber tudo da Europa e nada da Ásia.
Indiscutivelmente, a falta da aplicação de um tratamento adequado a citadas
interligações – situação que ocorre com frequência em nosso ensino – é o
principal motivo para que o país conviva, como convive, com um exército de
despreparados em Matemática.
E, ao se fazer referência a tal exército de despreparados, deve ser
enfatizado que ele é formado tanto por pessoas com algum tipo de deficiência
como por pessoas sem nenhuma deficiência física.
Sabemos, também, que essa enorme dívida social que o país tem com
referido exército de despreparados em Matemática tem aumentado sensivelmente
ano a ano.
Um aspecto da maior importância que está sendo colocado em prática na
experiência com o grupo de Cascavel é a troca da ordem de apresentação dos
assuntos.
Os estudos começaram pela Álgebra, contrariamente ao que é feito na ordem
tradicional, que primeiro dá a Aritmética para só depois dar a Álgebra.
A principal razão de ter começado pela Álgebra é que a finalidade do
grupo é a recuperação de alunos que não aprenderam a matéria quando a mesma
lhes foi dada na escola. Assim sendo, e considerando que um aluno despreparado
é, normalmente, impaciente, optou-se por trocar toda a ordem de apresentação da
matéria.
A alteração da ordem de apresentação tradicional dos assuntos foi feita
com o objetivo de levar o aluno a raciocinar matematicamente desde o início dos
estudos, prendendo sua atenção de maneira provocativa.
Falando de outra maneira, a alteração da ordem de apresentação da matéria
permite que, em poucos minutos, qualquer pessoa que domine apenas as quatro
operações fundamentais fique capacitada a raciocinar e a enfrentar desafios, o
que desperta seu interesse pelo assunto.
E, o que é da maior importância: esse interesse afastará os bloqueios ao
aprendizado com os quais convivem aqueles que se sentem incapazes de entender
Matemática.
Além disso, ao sentir que está compreendendo a matéria, o aluno ficará
motivado; e a motivação leva ao sucesso, que, por sua vez, traz mais motivação
e, em consequência mais sucesso, formando assim um autêntico círculo virtuoso.
Uma coisa
tem que ficar bem clara: é preciso convencer o aluno, logo nos primeiros
minutos, que ele é capaz de entender coisas que, no seu julgamento, eram
incompreensíveis. É importante convencê-lo logo nos primeiros instantes para
que sua atenção seja atraída. Ou seja, o aluno despreparado tem que ser
conquistado de imediato.
João Vinhosa é
professor de Matemática e Raciocínio Lógico.
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